quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Suldamérica: O MEDO DE FALAR EM PÚBLICO

Suldamérica: O MEDO DE FALAR EM PÚBLICO

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O MEDO DE FALAR EM PÚBLICO






Andréa Martin Miceli

Resumo

O medo de falar em público constitui um dos maiores medos do ser humano. Ele muitas vezes impede que a pessoa demonstre todas as suas potencialidades orais, interferindo na comunicação adequada.  Sendo que é exatamente no processo de comunicação interpessoal que se tem condições de criar e compartilhar significados na interação entre pessoas, relação esta muito valorizada em qualquer lugar. Esse medo pode causar uma grande interferência, prejudicando de maneira significativa a vida profissional, social e pessoal. Neste caso pode resultar em sofrimento acentuado, que gera baixa auto-estima, pois a pessoa passa a se achar incompetente e incapaz de obter o sucesso tão almejado. A melhor forma de controlar esse medo excessivo, a ansiedade e a timidez, seria enfrentar todas as oportunidades que surgem de falar em público, tornado-se assim mais experiente e consequentemente mais seguro de se expor, uma vez que o exercício da prática cria os hábitos.

Palavras chave: medo de falar em público; comunicação; ansiedade; timidez.

Astract

The fear of speaking in public is one of the biggest fears of the human being. It many times hinders the person to demonstrates your verbal potentialities, intervening with the adequate communication. However it accurately in this process of interpersonal communication that if has conditions to create and to share meanings in the interaction between people, this relation has much value in any place. This fear can cause great interference, harming in significant way the professional, social and personal life. In this case that can result in accented suffering, with self-esteem, therefore the person thinks to be incompetent an incapable to get the longed for success. The best form to control this too much fear, anxiety and shyness, would be to face up in all the chances that appear of speaking for the public, becoming thus more experienced and more safe to expose yourself, a time that practice the exercise can be creates the habits.

Keywords: fear of speaking in public; communication; anxiety; shyness.

1 Introdução

O sucesso do ser humano de modo geral, depende cada vez mais da sua habilidade em se comunicar. Não há nada mais poderoso para o sucesso e o reconhecimento na carreira profissional que saber comunicar-se. “MARCON (2003) ressalta, saber comunicar suas idéias é tão importante quanto tê-las". Sendo assim, a comunicação é uma competência obrigatória em todas as áreas da vida. Ela acaba sendo prejudicada pelo medo de falar em público que gera inúmeros problemas de comunicação, truncando palavras e desvinculando a sequência lógica de pensamento. Algumas pessoas sentem-se desconfortáveis e incompetentes para falar diante de grupos sociais mais amplos.
O medo natural é um sentimento de fundamental importância na vida do ser humano. Ele está ligado ao instinto de sobrevivência, que é um medo inato, chamado de medo fisiológico. Através dele o indivíduo se protege de um perigo ou mesmo de um sofrimento. O medo, na maioria das vezes, começa a tomar novos significados na infância. No início da vida o ser ainda não adquiriu o medo condicionado, mas à medida que interage com os adultos, passa a ter o medo aprendido. O grande problema é quando ele é sobrecarregado de ansiedade, pois tem o poder de paralisar a vida de uma pessoa, trazendo conseqüências desastrosas que impossibilitam o indivíduo crescer e seguir seu rumo, achando-se incapaz de prosseguir, tentar e conseguir.
A sensação de incompetência, o sentimento de incapacidade ou de deficiência, atua trazendo à tona comportamentos disfuncionais vividos durante a infância que fizeram com que esse indivíduo criasse bloqueios por ter sido, em grande parte, vítima de fracassos. Frente a situações adversas, a pessoa passa a generalizar esses estímulos, gerando ansiedade, por já ter vivido situações parecidas e ter sido infeliz. Essa ansiedade antecede o medo e causa sintomas que normalmente são visíveis a todos os presentes, o que de certa forma, prejudica ainda mais essa exposição provocando timidez excessiva, que impede a comunicação de forma satisfatória.
Todos esses sentimentos geram uma queda na auto-estima, que é a capacidade da pessoa confiar em si própria, de sentir-se capaz de enfrentar os desafios da vida e saber expressar de forma adequada, para si e para os outros, as próprias necessidades e desejos. Quando a baixa auto-estima se instala, causa um impacto profundo no funcionamento pessoal do indivíduo, que passa a se preocupar em demasiado com as críticas e comentários dos demais, o que faz com que ele evite expressar suas opiniões, gostos, valores, pensamentos e sentimentos.
A maioria dos indivíduos subestima sua própria capacidade. Enquanto não há uma clara visão positiva de seu próprio potencial, dificilmente estará preparado para se expor frente aos seus semelhantes. Para desenvolver a auto-estima e auto-confiança, tem que ser feita uma avaliação realística de suas conquistas até então, de seu desenvolvimento passado, de seus talentos e recursos pessoais. Deve tentar “limpar” da mente qualquer auto-imagem negativa que foi incorporada nas diferentes fases da vida. Se for necessário, buscar ajuda profissional do psicólogo que o levará a uma visão mais realista e confiante de si mesmo. É exatamente essa confiança e essa crença em si que faz o indivíduo arriscar mais, ousar e oferecer-se para realizar tarefas desafiadoras.
O presente estudo teve como objetivo descrever o porquê tememos tanto a exposição de falar em público, o que esse medo causa na pessoa, como ele pode ser controlado e algumas dicas para esse autocontrole e superação.  As informações aqui apresentadas poderão auxiliar no aprender a lidar com este sentimento, tão comum e perturbador.

2 Desenvolvimento

Falar em público, para grande maioria, é algo penoso, porque estar em evidência, principalmente sendo avaliado, pode causar ansiedade, medo e inibição. Esse medo é bastante comum, e em geral decorre da ausência de experiência ou preparação para fazer apresentações, dar palestras, defender trabalhos ou conduzir reuniões. A experiência é algo que adquirimos com o tempo, mas a preparação está ao alcance de todos, consistindo no domínio do tema, do ambiente, das expectativas do público e das ferramentas adequadas.
Quem não consegue se comunicar de forma eficaz geralmente é rotulado ou se autoqualifica como tímido. A timidez pode ser definida como o desconforto e a inibição em situações de interação pessoal que interferem na realização dos objetivos. De fato, ela é um dos maiores bloqueios do ser humano, porque impede que suas potencialidades se sobressaiam. A pessoa passa então a apresentar sintomas como, vergonha, medo de ser ridicularizada, medo da crítica, medo da rejeição, de perder a sequência do assunto e assim por diante. Esse sentimento de inadequação e medo impede a pessoa de se expressar adequadamente, pois aumenta o nível de ansiedade, podendo chegar ao desequilíbrio emocional.
“O medo do erro é normal e natural. A naturalidade prende-se ao fato de nos sentirmos responsáveis por aquilo que estamos informando ao público. Como não queremos passar dados inverossímeis, a apreensão, a ansiedade gera-nos um pequeno desconforto, uma tensão, um nervosismo” (SILVEIRA, 2001). Queremos ser perfeitos em tudo, e aí reside mais um fator que complica: o nível de exigência.
A resposta anterior ao medo é conhecida por ansiedade. Na ansiedade o indivíduo teme antecipadamente o encontro com a situação ou objeto que lhe causa medo. Sendo assim, é possível traçar uma escala de graus de medo, no qual, o máximo seria o pavor e, o mínimo, uma leve ansiedade, o que é perfeitamente normal algum grau de ansiedade e nervosismo, devido ao senso de responsabilidade.
O medo é um mecanismo de defesa usado pelo ser humano para a proteção de um perigo real ou aparente. Quando sentimos medo, sofremos uma descarga de adrenalina para que possamos nos proteger de algo, fugir por exemplo. Ao falar em público, esse medo aparece, sofremos uma descarga, mas não podemos usar da fuga, então essa adrenalina permanece um tempo maior no organismo provocando uma desordem do pensamento, que pode estar associado a vários sintomas físicos como, palpitações, transpiração súbita, tremor, em especial nas mãos e nas pernas, dores de cabeça, vermelhidões pelo corpo, sensações desconfortáveis no estômago, perda da voz, gagueira, entre outros.
De acordo com POLITO (2005),
Nós temos internamente dois oradores distintos: um real e outro imaginado. O real é o verdadeiro, aquele que as pessoas vêem efetivamente. O imaginado é fruto da nossa imaginação, aquele que nós pensamos que as pessoas vêem quando falamos. Esse orador imaginado é construído principalmente pelos registros negativos que recebemos - os momentos de tristeza, de derrota, de cerceamento que passamos ao longo da vida. Esses registros formam uma auto-imagem negativa, distorcida, diferente da imagem verdadeira que possuímos. O orador imaginado se apóia nessa auto-imagem e, por isso, normalmente é também muito negativo. Como conseqüência, ficamos com receio das críticas e julgamos que as pessoas estão censurando nossa apresentação. Temendo estar passando por essa situação, ficamos com medo e, mais uma vez, a adrenalina surge para nos defender.
O medo nutre na pessoa a sensação de incompetência o que a impede muitas vezes de aproveitar oportunidades que se apresentam, formando uma auto-estima e auto-imagem negativas. Quando sentimos medo, os desafios se transformam em grandes ameaças capazes de estagnar o nosso talento e a nossa carreira. O nervosismo atrapalha o bom desempenho, o raciocínio e provoca os famosos “brancos”. As pessoas passam então a serem vistas como fracas, inseguras e despreparadas.
Esses dois aspectos, tanto a ansiedade quanto o medo, surgem na vida da pessoa através de vivências interpessoais e problemas na primeira infância. É no ambiente familiar que a criança constrói, através de identificações e de modelos, sua auto-imagem que está intimamente ligada à auto-estima. Se esse ambiente inicial for repressor, pode gerar o que é chamado pela psicologia de indefensão aprendida, ou seja, quando a pessoa adquire a experiência de se achar indefesa, de que nenhuma de suas ações contribui para suas conquistas ou êxitos, por terem sido mais destacados seus insucessos que seus sucessos. Esse conceito de incompetência, uma vez internalizado, poderá criar uma base sobre a qual se instalará o medo, o que passa a impedir seu crescimento pessoal.
Este é um dos momentos em que a terapia se torna importante, pois irá trabalhar exatamente a sua capacidade de resiliência, ou seja, o seu poder para se recuperar, encarando seus erros, fracassos e dificuldades de maneira mais assertiva, transformando sua experiência dolorosa em algum tipo de aprendizagem vivencial positiva. Segundo DOUGLAS, SANCHES E SPINA (2008), “a maior conquista de um homem é superar seus próprios obstáculos”. Portanto, o processo psicoterapêutico terá como foco, a superação dessas barreiras.
Caso esse medo não venha a ser trabalhado ele poderá tornar-se mais prejudicial ainda, comprometendo, de certa forma, suas relações sociais e a causando-lhe grande sofrimento psíquico, podendo transformar-se em um transtorno chamado fobia, ou até numa fobia social, por exemplo. O fóbico social tem dificuldade de se relacionar. "A característica mais marcante desse tipo de fobia é o medo que a pessoa tem do julgamento dos outros", afirma BARROS NETO (2000). "O fóbico social geralmente é muito perfeccionista. Como é impossível agradar a 100% das pessoas, ele prefere se omitir".
A melhor forma de superar o medo é enfrentá-lo. O tratamento de fobias geralmente é baseado na exposição gradativa da pessoa a situações que ela teme, essa aproximação é feita por psicólogos de forma lenta e dosada, através da técnica da dessensibilização.
Uma forma de transmitir aos nossos sentidos uma sensação de proteção, diminuindo a ansiedade e o medo de falar em público, é utilizar de algumas estratégias psicológicas antes de qualquer apresentação, como criar imagens positivas sobre o seu trabalho, relembrando elogios que recebeu e evidências da sua competência técnica e comportamental, evitar o contato com pessoas pessimistas, dirigir mais assertivamente seus pensamentos, analisando o que é real e o que é imaginário. Algumas estratégias técnicas como, chegar um pouco antes da apresentação, com a finalidade de checar os recursos que serão utilizados, caminhar pelo espaço destinado, procurando respirar profundamente, pois a respiração é de suma importância na hora da fala. Aquecer a voz através de leitura em voz alta, procurando articular as palavras com clareza e fluência. Usar trajes discretos e elegantes, adequados para o momento.
“O medo de falar em público está baseado em quatro desconhecimentos. Nosso desconhecimento dos assuntos sobre o qual falaremos, de nosso potencial como oradores, das técnicas de falar em público e o desconhecimento do público e suas reações. E tudo isso pode se aprendido e superado” (CARVALHO, 2008).
Para combater o medo de falar em público é necessário que anteriormente a pessoa tenha planejado, treinado e avaliado seu próprio trabalho. Para isso o ideal seria que o apresentador tivesse uma boa preparação antes de qualquer apresentação, conhecendo o assunto em profundidade, pois a falta de domínio gera insegurança; que praticasse e adquirisse experiência aproveitando-se de todas as oportunidades para se apresentar sempre que tivesse a chance de falar em público, para conquistar segurança e combater o próprio medo; ter maior autoconhecimento, sabendo identificar suas qualidades de comunicação e encontrar a partir delas segurança para falar.
A reação do público é o que mais perturba o apresentador durante sua exposição. Afim de que as pessoas possam reagir de maneira mais agradável e participativa é imprescindível que ele tenha atitudes como: encarar o público, mantendo constante interação visual e uma maior proximidade afetiva com as pessoas; movimentar-se enquanto fala, explorando o ambiente físico; utilizar recursos visuais, pois o ser humano possui percepção visual bastante apurada; utilizar linguagem clara e persuasiva; evitar vícios de linguagem e sempre manter postura firme e decidida.

3 Conclusão

Através do exposto pode-se perceber que falar em público está entre as situações que mais geram ansiedade, preocupação e sentimentos de impotência. O medo aumenta de forma desproporcional a sensação de insegurança, que faz com que o indivíduo crie um bloqueio para se proteger. Esse bloqueio o impede de se expor acarretando perdas de oportunidades em suas diversas áreas. Trata-se então, de uma desnutrição emocional que pode ser tratada e curada por profissionais experientes no assunto.
As pessoas mais tímidas tendem a supervalorizar os possíveis riscos. Assim, o novo e a possibilidade de mudança tornam-se assustadores. Dessa maneira, quando cabe a tarefa de nos apresentarmos em público, o pavor de enfrentar uma platéia pode castrar a possibilidade de sucesso.
Os motivos mais aparentes para esse tipo de temor são: o perfeccionismo, nervosismo, auto-imagem negativa, excesso de autocrítica, barreiras verbais e não-verbais, sensação de ridículo, instabilidade emocional, desmotivação para superar desafios, cobranças internas e externas, inexperiência na função, apresentações anteriores frustrantes, medo da responsabilidade proveniente do sucesso, falta de treino, bem como de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à comunicação eficaz.
Esses vários motivos podem ser trabalhados e treinados fazendo com que o indivíduo desempenhe melhor sua capacidade de autocontrole, sabendo equilibrar seus próprios impulsos, ações e desejos. O autocontrole exige autodeterminação e força de caráter.
“O rio atinge sua meta que é alcançar o mar, porque consegue contornar seus obstáculos” (autor desconhecido).

Referências Bibliográficas

BARROS NETO, T.P. Sem medo de ter medo. São Paulo; Casa do Psicólogo, 2000.
CARVALHO, Z. Os segredos da Oratória Política em 10 lições. São Paulo; Minelli, 2008.
DOUGLAS, W.; SANCHES, R.; SPINA, A. L. Como falar bem em público. Rio de Janeiro; Ediouro, 2008.
MARCON, L. Falar em público. 5.ed. ; São Paulo; Cultura, 2003.
POLITO, R. Vença o medo de falar em público. 8.ed. São Paulo; Saraiva, 2005.
SILVEIRA, M. Você Tem Medo de quê? Revista Você, São Paulo: editor setembro de 2001, p. 54 a 59.




Andréa Martin Miceli é Psicóloga Clínica
Especialista em Atendimento Sistêmico à Casal e Família
Professora da Faculdade Suldamérica
Disciplinas: Psicologia Aplicada à Educação e Psicologia Aplicada à Administração


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Identidade Goiana e Suas Representações Sob a Ótica de um Caipira.


Carolina do Carmo Castro

Resumo:

O resgate histórico de uma sociedade é um meio pelo qual, se conserva a identidade de um povo. Em culturas orais, as características socioculturais são preservadas por meio de costumes e das estórias contadas entre gerações.
Este artigo apresenta a cultura sertaneja em Goiás e suas representações, a partir do estudo de Geraldinho, um pequeno sitiante de Bela Vista famoso pelos seus causos, que embora sejam vistos como um espetáculo de humor; são manifestações da cultura popular rural. São ritos populares, assim como os provérbios, as modinhas, as festas religiosas, tornando-se assim, mecanismos de acesso metodológico as práticas e representações da cultura popular rural em Goiás.

Palavras- chaves: Geraldinho – Goiás – cultura popular


Abstract

The Historical society rescue it’s a way to conserve the identity of a folk traditions. In oral cultures, the cultural and sociological characteristics are preserved by actions and tales transmitted over generations.
The following article presents the country culture from Goiás and their representations by the study of Geraldinho, a small farm keeper from Bela Vista who becomes famous thanks to their funny tales. Such tales are manifestations of country popular culture. Those popular rituals, such as “provérbios”, “modinhas and religious parties are mechanisms of methodological access to practice representations of Goiás popular culture.


Keywords

Geraldinho – Goiás – folk culture


O ato de contar histórias não é apenas uma manifestação artística. Sendo uma tradição milenar, ela surgiu juntamente com a linguagem articulada para fins específicos. Nas sociedades tribais primitivas, o ato de contar histórias foi durante muito tempo utilizado como recurso na transmissão dos conhecimentos, dos costumes, das crenças, dos mitos e dos valores que foram acumulados e preservados pelas gerações.
Um grande exemplo da arte de contar histórias foi Geraldinho, um pequeno sitiante que residia na área rural do município de Bela Vista, Goiás; que pelo seu modo de falar, caracteristicamente sertanejo, e pela sua habilidade em prender atenção do público com seus divertidos causos, obteve sucesso imediato na mídia.
A grande mudança geopolítica em Bela Vista, se deu com a criação do município de Goiânia, em 1935, sendo que Bela Vista foi um dos que cedeu terras para a nova capital (os outros foram Campinas, Hidrolândia, Anápolis e Trindade). Sobre as origens das cidades goianas, Pinheiro revela que:
“Com uma visão quase sempre mítica das origens de suas cidades, a memória dos habitantes de Goiás, saindo da mesmice da realidade sertaneja, criou enredos aformoseando de certa maneira as narrativas sobre a origem de alguns núcleos urbanos. Em busca do diferente de criar sua própria identidade, algumas cidades mergulharam no passado recriando-o com base em algum fato ou dado histórico conservado na memória”. (PINHEIRO, 2003, p.53).

Descartando questões de ordem administrativa, o advento de Goiânia, na década de 1930, praticamente não produziu fortes alterações no cotidiano da população de Bela Vista, pois era grande à precariedade das estradas e dos meios de transporte. No entanto, o forte crescimento demográfico da capital a partir dos anos 70, a pavimentação das rodovias e o melhoramento no transporte coletivo resultaram em uma influência cada vez maior de Goiânia sobre Bela Vista e sobre as demais cidades do Entorno. Esse processo, na qual as cidades próximas tornam- se dependentes de Goiânia é denominada de metropolização. As mudanças acarretadas pela metropolização provocaram a emergência de discursos ufanistas em relação ao progresso. Um exemplo disso é o poema “Bela Vista, ontem e hoje”
O pequeno arraial...
Agora é Bela Vista
O progresso sempre aumentando
Temos rodovias asfaltadas
Que liga a capital dos goianos
Temos prefeito trabalhador
Honestamente administrando
A cidade e o município
Hoje está aniversariando. (Nascimento, 1981)

O poema é um exemplo típico da ideologia do progresso, separando o ontem (mundo da tradição) do hoje (mundo da modernização). Discurso este semelhante ao da transferência da capital em que Gomide, em seu estudo revela que na década de 30, a transferência da capital (sede política) da cidade de Goiás para Goiânia, foi impulsionada pela idealização de um espaço urbano que fomentasse maior qualidade de vida, produtividade e desenvolvimento (discurso da modernidade). Criou-se assim o discurso da tradição como justificativa para a preservação do espaço urbano da cidade de Goiás.
Geraldinho é de grande importância para o estudo da cultura sertaneja em Goiás. Seus causos são resquícios do dialeto caipira , modo de falar predominante em Goiás no século XIX e início do XX. Gradualmente, com o desenvolvimento urbano e,
conseqüentemente, com o desenvolvimento do sistema educacional e a implantação de
um modo de expressar baseado na gramática normativa, o dialeto caipira foi se extinguindo.
Os lingüistas consideram regionalismo a preferência de certas expressões ou construções a outras em uma determinada região do país; quando elas se aprofundam, temos o dialeto. A maioria dos autores que estuda essa forma de expressar do sertanejo, considera-a como um dialeto. Para maior aprofundamento sobre a linguagem caipira, ver as obras de Veado (1982) e Vilefort (1985).

Além da linguagem caipira, os causos de Geraldinho são depositários das práticas e das representações da cultura rural em Goiás. Por meio deles, é possível compreender aspectos da mentalidade da cultura popular dos homens e mulheres dos séculos passados. Pode-se, por exemplo, analisar a moralidade e sexualidade (como no causo da Namoradinha), a crítica a algumas inovações tecnológicas da modernidade (como no Causo da Bicicleta), as formas de ajuda mútua, a desigualdade social (Causo do Maribondo) e assim por diante.
Como exemplo das possibilidades analíticas de seus causos, citamos a parte final do Causo da Bicicleta, no qual, depois de relatar as suas atribuladas desventuras decorrentes do seu primeiro encontro com esse meio de transporte.

“Interô treis objeto que pra mim eu não tem confiança mais nunca: a bircicleta, e o cigarro de papel e sordadu tamém.” (Geraldinho e outros).
O repúdio pelos dois primeiros se compreende facilmente pela lógica da história narrada: a bicicleta foi fonte de escoriações e o cigarro de papel, fonte de queimaduras. Mas como explicar o repúdio pelo soldado, sem nenhuma conexão com a história narrada no causo? A minha hipótese é que essa aversão ao "soldado" não é meramente uma opinião individual; mas sim, um sentimento coletivo do homem rural goiano no século XIX e XX. Ela seria um fator distintivo do modo de pensar da população rural goiana, que poderia ser denominada, sociologicamente, de representação coletiva:

"As representações coletivas são produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para criá-las, uma multidão de espíritos diversos associou, misturou, combinou suas ideias e seus sentimentos; longas séries de gerações nelas se acumularam sua experiência e seu saber" (Durkheim, 1996: XXIII).

Rabelo discute a questão da resistência dos indivíduos ao poder disciplinador, no capítulo: “Disciplina e Desobediência Civil” de sua tese, demonstrando que as resistências à normatização dos comportamentos é realizada por parte não só dos indivíduos das camadas populares, mas também de alguns elementos da camada dominante, em defesa de seus hábitos e costumes, bem como dos seus interesses individuais. De acordo com Rabelo, essas resistências que são vistas pelos agentes da Ordem como desordem, são nitidamente, ações de desobediência civil.
Outro causo de Geraldinho que revela essa repulsa por policiais é o causo do soldado em que o narrador demonstra o seguinte perfil do soldado:

“Criatura desaforada que judia do povo, agora pra eles me apersegui direito, mudaram o tipim da rôpa e arrumaram um avião lerdo com uns papa-vento no lombo e di vez em quando eles passa por riba di casa , pára ali, dá uma examinada i segui”. (Geraldinho e outros).

O soldado como processo disciplinador associa-se com o debate proposto por Rabelo, quando o mesmo afirma, que os discursos e práticas normativas, justapondo-se, influenciando-se uns aos outros e entrando em conflito entre si, objetivam uma ordem unívoca centralizadora e anônima que determinaria o que é normal e desejável na convivência social. Os comportamentos que não se enquadravam nos padrões disciplinares vigentes são desqualificados como “desordem”, agentes do caos que desestabilizam a sociedade, por isso a necessidade do soldado como elemento coercitivo e ordenador.
Os causos de Geraldinho não provocam riso apenas para os integrantes da cultura popular, mas também nos integrantes da "industria cultural", conforme expressão de Adorno/Horkheimer (1985:113-156). Contudo, não acreditamos que o sucesso na mídia de Geraldinho seja decorrente apenas do "poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade" (idem, 114). Ele deve ser explicado, em termos conjunturais, pelas relações íntimas que a sociedade urbanizada de Goiás ainda mantém com seu passado rural.
Porém o sucesso na mídia de Geraldinho está relacionado também a mudanças estruturais profundas por que passou a sociedade nos últimos anos. Uma dessas mudanças foi a destradicionalização conforme foi definida

"uma ordem tradicional pós-moderna não é aquela que a tradição desaparece. É aquela que a tradição muda o seu status: as tradições têm de se explicar, tem de se tomar abertas à interrogação e ao discurso." Giddens (1996: 13)

esse ambiente, nada é dado, mas tudo é construído. Os antigos referenciais fornecidos pela tradição (como a comunidade de vizinhos, o parentesco e a religião) já não determinam mecanicamente a vida do indivíduo. Por outro lado, a ciência, desgastada pelas idéias conflitantes de seus especialistas, não tem credibilidade suficiente para amparar os indivíduos na busca de identidade e assim Freitas em seu estudo sobre Medicina e planejamento urbano revela que com o Estado Moderno, houve uma aceitação da maior intervenção do Estado no campo da saúde através dos interesses individuais, familiares e comunitários de seguridade social e de serviços organizados de saúde.
Assim, o homem e as mulheres pós-modernos buscam uma satisfação personalizada, podendo, inclusive, resgatar valores do mundo tradicional, satisfazendo suas nostalgias de uma vida próxima à natureza e à comunidade. Como exemplo, identificamos a crescente procura pelos hotéis –fazendas.
A maioria dos estudos sobre religião, talvez inspirados na sociologia da religião de Durkheim que estabelece um rígida separação entre o sagrado e o profano, quase sempre ignorou a presença do lúdico e do humor na devoção religiosa popular. Na verdade, essa presença era bastante forte na religiosiodade da Idade Média e Renascimento europeu, quando o catolicismo estava demasiadamente próximo às práticas e representações populares. Por isso,
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Segundo Durkheim (1996:23), “Os dois mundos”, isto é o sagrado e o profano, “não são apenas concebidos como separados, mas como hostis e rivais um do outro”. Disso deriva que “a coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve e não pode impunemente tocar”.



A tradição antiga permitia o riso e as brincadeiras licenciosas no interior da igreja na época da Páscoa. Do alto do púlpito, o padre permitia-se toda a espécie de histórias e brincadeiras a fim de obrigar os paroquianos, após um longo jejum e uma longa abstinência, a rir com alegria e esse riso era um renascimento feliz. ( Bakhtin, 1999: 68).

As reformas protestantes e católica do século XVI produziram uma forte mudança na consciência religiosa, distanciando-se das práticas religiosas populares. Do lado católico, essa estratégia de disciplinar a religiosidade popular foi denominada de “romanização”, sendo que

Os reformadores também incentivaram o desenvolvimento de uma vida litúrgica mais efetiva nas paróquias, outra maneira de desviar a atenção dos rituais da religião popular. Tentaram incrementar a consciência leiga de que a igreja paroquial era um lugar sagrado, proibindo que fosse utilizada para cerimônias locais irregulares. (Davidson, 1991:47)

Com isso, a liturgia católica e protestante afastou-se do lúdico e do riso e passou a enfatizar “o pecado e o medo” como estratégia de conversão. Em Goiás, um marco dessa nova estratégia da Igreja foi a vinda, em 1895, dos padres redentoristas alemães, que tinham a responsabilidade de retirar das mãos dos leigos a lucrativa Romaria de Barro Preto. Esses padres estabeleceram-se em Campinas e sua influência se estabeleceu por todas localidades próximas, inclusive Bela Vista. Eles foram os principais expoentes da romanização em Goiás, condenando com veemência as práticas do catolicismo popular em Goiás.
Gumiero em seu estudo sobre os tropeiros em Goiás destaca que as festividades religiosas eram simples, mas concorridas, já que a religiosidade é um traço marcante do goiano. Em uma sociedade marcada pela estagnação econômica, carestia, maus exemplos das autoridades, isolamento e violência, a religião era um dos únicos meios de solucionar os muitos problemas que assolavam a população.
Já a diversão dos tropeiros era a conversa, a prosa com os companheiros, o cigarro e a música, sendo que a conversa tinha por tema, os acontecimentos do dia, ou então repetiam-se lendas e contos goianos. Ao chegar nas cidades sertanejas, uma distração era a “rodinha”. Nas esquinas das ruas, os homens reuniam-se para a conversa fiada, o passa-tempo, nela o tropeiro não poderia faltar, tal fato nos faz associar tais rodinhas às rodas caipiras onde se contava os causos. Deste modo, é indiscutível que o tropeiro foi um grande agente que contribuiu para manter viva a cultura popular goiana.
Os causos de Geraldinho demonstram uma certa vinculação com as práticas e as representações da cultura popular sertaneja goiana. Por isso, eles são um material raro r rico para estudar a maneira de pensar e agir que dominou uma época, mas que hoje é motivo de riso: o que é bastante significativo da distância temporal e cultural de nossa época em relação a época de nossos antepassados.
Nisso reside a importância da figura de Geraldinho para as ciências humanas. Ele acompanhou todas as transformações que a sua Bela Vista passou no século XX e, através dos seus divertidos causos, fez uma leitura dessas mudanças na perspectiva da cultura sertaneja, sempre rica e bem-humorada.
A pesquisa, em termos metodológicos, confirma as novas possibilidades advindas com a História Cultural, aberta à novos temas e novas fontes, prometendo um horizonte fértil de complementaridade aos ricos estudos de história social e econômica existentes na historiografia goiana.
Enfim, a risada de Geraldinho constitui-se como um lembrete de uma época em que os homens e as mulheres sabiam rir e tudo: do sexo, das funções corporais, da Igreja, dos santos. Talvez os antigos soubessem que em certas ocasiões,o riso era um melhor remédio.


Referências Bibliográficas

FREITAS, Lena Castello B. F. Saúde e Doenças em Goiás: a medicina possível. Goiânia: UFG, 1999, p. 239-288.
GOMIDE, Cristina Helou. Centralismo político e tradição histórica: Cidade de Goiás (1930-1978). Goiânia: UFG, 1999, p 89-197. (Dissertação de Mestrado).
GUMIERO, Maristela P. da P. Os tropeiros a História de Goiás. Século XVIII e XIX. Goiânia: UFG, 1991 (Dissertação de Mestrado)
PINHEIRO, Antônio César Caldas. Os tempos míticos das cidades goianas: mitos de origem e invenção de tradições. Goiânia: UFG, 2003, p. 20-73. (Dissertação de Mestrado).
RABELO, Danilo. Os excessos do corpo: A normatização dos comportamentos na Cidade de Goiás, 1822 – 1889. Goiânia: FCHF/Universidade Federal de Goiás, 1997. (Dissertação de Mestrado)

Carolina do Carmo Castro
é mestre em História e 
Coordenadora e Professora 
do curso de História da 
Faculdade Suldamérica

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Opiniões e debates

Está página estará a disposição para inserção de artigos de professores relacionados a nossa atividade e temas atuais. Serão postados opiniões de profissionais e reeditado artigos de outros autores.

Nova Ferramenta de Comunicação

A Faculdade Suldamérica tentando ampliar a comunicação coloca mais essa ferramenta a disposição de nossos colaboradores. A partir deste blog estaremos divulgando assuntos que serão debatidos com mais rapidez com notícias do dia-a-dia de nossa instituição de ensino.